Diário de Caratinga / 3 de agosto de 2014 |
Entrevista ao Diário de Caratinga
Quando você começou a se interessar por ilustração? Quem te influenciou?
- Desde criança gostei muito de desenhar, que é natural nesta fase. Sempre me destaquei em sala de aula não só pelos desenhos mas também pela minha habilidade manual e acabava me colocando na situação de fazer os trabalhos dos meus outros colegas. O meu interesse pela ilustração, mas precisamente pelas charges e cartuns, se deu através das minhas leituras. Quando criança, adorava ler a “Revista Recreio” (mais do que revistas em quadrinhos) que além de passatempos interessantes que estimulavam a criatividade, trazia também textos de conceituados autores da literatura infantil com belas ilustrações. Desde garoto tive o hábito de ler muito jornais e quando me deparava com as charges achava engraçado e ao mesmo tempo muito interessante pelas mensagens que passavam. Muito ligado em futebol não saía das bancas de revistas para comprar o “Jornal dos Sports” e a “Revista Placar” que estampava em sua última página, charges e tirinhas do genial Laerte que, ao contrário de que muita gente pode imaginar, foi ele , antes do Ziraldo, que me despertou e influenciou diretamente na minha inclusão ao universo das charges pois ali eu me deparei com três paixões que me movem: desenho, futebol e humor. Despertei para o assunto e comecei a criar os meus primeiros desenhos de humor só que, muito tímido e inseguro, não mostrava pra ninguém e engavetava todos.
E quando esta habilidade começou a se tornar sua profissão de fato?
- Comecei a trabalhar aos 15 anos como desenhista arquitetônico o que me deu conhecimento de perspectiva, ângulos e tal. Aos dezoito anos tive meu primeiro desenho impresso, que enviei para uma revista de humor de Curitiba em troca de um trocado como colaborador e no mesmo ano tive um desenho selecionado no Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Isto foi me dando segurança e a sensação que eu levava realmente jeito pra coisa. Em 1980, morando em Brasília trabalhando ainda no desenho arquitetônico, resolvi ir de encontro ao meu grande desejo e enfrentando toda minha timidez peculiar fui com minha pasta de desenhos debaixo do braço ao jornal “Correio Braziliense”. Assim que o editor deu as primeiras foleadas começou a rir e a mostrar para os colegas de redação, depois virou pra mim e disse: “quer começar amanhã?”. Abri mão de uma profissão segura e rentável na época e fui, literalmente com todo risco, trilhar por um novo caminho.
Quando e como foi o seu primeiro contato com Ziraldo?
- Meu primeiro contato com Ziraldo foi em 1977, no aniversário de 70 anos do pai dele, comemorado aqui em Caratinga, o Sr. Geraldo Alves Pinto, que hoje dá o nome a rua onde moro. Na ocasião tremendo da cabeça aos pés, mostrei a ele a pasta com os meus desenhos que estavam engavetados há uns quatro anos. Mais tarde, em 1998, já profissional, pedi a ele um prefácio para o meu livro de cartuns “Se Rir, Eu Choro”. Ele nem sabia mais quem eu era, mas conheceu e gostou do meu trabalho. Depois de uns quatro meses de telefonemas recebi o prefácio com um belo texto, por coincidência, no dia do meu aniversário.
Mas nossa aproximação foi demorada. Dois anos depois ele voltou a me atender em um outro pedido criando o cartaz do 3º Salão de Humor de Caratinga e mesmo sendo convidado desse a primeira vez, só marcou presença, finalmente, na 6ª edição, em 2004, quando voltou a assinar o cartaz do evento, e na sequência desenhou também os do sétimo e oitavo salão. O Salão virou referência internacional entre os cartunistas e por onde andava o Ziraldo ouvia elogios, inclusive na China.Em 2006, num encontro que tivemos em Brasília, ele se aproximou de mim fez a maior festa e bem ao seu jeitão gritou – este menino é doido! Ele realiza em Caratinga um Salão de Humorinterrrrrrrnacional que é uma maravilha? – E me perguntou quantos cartazes ele já tinha desenhado para o salão. Respondi que foram quatro. Ele colocou a mão sobre os meus ombros e disse: - pois agora quero desenhar todos daqui pra frente, até eu morrer! Respondi de bate pronto: “vida longa pra você, meu mestre!”.
Com o passar dos anos, cresceu a nossa amizade, estabeleceu a confiança e fizemos muitas parcerias em edições de revistas, jornais, culminando na edição do livro “Ninguém Segura Caratinga” amplamente divulgado em suas entrevistas concedidas nos programas do Jô Soares, Lêda Nagly e Amaury Júnior, lançado com sucesso em Brasília, Rio e São Paulo,até a criação da Casa Ziraldo de Cultura.
Você também tem uma história com o DIÁRIO DE CARATINGA. Durante muito tempo as suas charges foram destaque nas capas do impresso.
Como você começou a fazer este trabalho para o jornal?
- Minha história com o Diário de Caratinga é um capítulo muito significativo em minha vida profissional e um valor pessoal muito importante por vários aspectos. Fazer charge numa cidade do interior, onde os fatos e as pessoas estão estreitamente interligadas, nas ruas, em todas atividades profissionais e sociais não é nada fácil. E este foi um dos fatores primordiais para que eu aceitasse este desafio, com o propósito de ter uma atuação de cidadania mais acentuada na cidade onde nasci e que muito amo. E foi justamente num dos momentos mais dramáticos que se abateu em nossa cidade, nas enchentes de 2003 e 2004 foi a minha retomada aqui no Diário, (antes, em 1997, fiz charges quando ainda era Diário do Aço/Caratinga que originou o livro “Bagunçaram o Meu Coreto) quando completei um ciclo de dez anos totalizando mais de 2000 charges abordando os mais variados temas, desde os mais amenos, passando pela rivalidade dos atleticanos e cruzeirenses até aos acontecimentos mais polêmicos. O fruto desta parceria foi registrado com a edição de cinco livros de charges que considero um marco importante na história da nossa comunicação.
Sendo você o idealizador e edificador da Casa Ziraldo de Cultura, qual a sua avaliação durante este período de funcionamento em nossa cidade?
- Um divisor de águas. Uma conquista pessoal de grande valor coletivo. Embora ainda esteja funcionando desde sua fundação com apenas uns 30% de sua concepção, a Casa Ziraldo de Cultura vem cumprido o seu papel impulsionando a vida cultural em nossa cidade, estreitando a ligação de nossa população ao conhecimento geral através de atividades artísticas dos mais variados segmentos, trazendo também um resgate importante de nossa história, estimulando e revelando novos valores, sendo palco de homenagens e reconhecimento de quem já deu sua contribuição no nosso cenário cultural ou que nos deixam um legado para nossa eternidade.
Já contabilizamos mais de 300 eventos, então basta imaginar que se não tivéssemos conquistado esta estrutura simplesmente estes eventos não teriam acontecidos. Entre os que queriam fazer e não conseguiam um espaço adequado, adicionado com aqueles que sentiram estimulados a colocar pra fora a sua capacidade criativa a partir do momento que passaram a adquirir este respaldo.
Um espaço democrático. Ali é a casa de todos os artistas e agentes culturais de Caratinga, consagrados ou não; iniciantes e aprendizes de todas vertentes artísticas, sem nenhum ônus, tanto para quem se apresenta quanto para o público visitante num espaço privilegiado que possibilita um alto índice de acessibilidade, o que é, sem dúvida, muito importante pelo que se apresenta. Portanto, a Casa Ziraldo é hoje uma das espinhas dorsais da evolução de nossa cidade tanto na parte cultural, social, como também no turismo, servindo ainda de referência para criações de outros espaços, o que é muito salutar.
Neste ano completamos 5 anos de fundação. Agradeço ao prefeito Marco Antônio por eu estar a frente deste trabalho novamente, mantendo a esperança que terei todo o apoio necessário para colocá-la em funcionamento em sua plenitude conceitual e incrementar ainda mais sua atração entre as opções de entretenimento da nossa cidade.
Como surgiu o Salão de Humor de Caratinga?
- Já cartunista profissional em Brasília, participando de vários salões de humor no Brasil e no exterior, idealizei um salão de humor em Caratinga mesmo sem ter conhecido nenhum pessoalmente. Não tinha a menor ideia da dinâmica deste evento. Contudo o nosso salão de humor começou grande, tanto pela quantidade, quanto pela qualidade dos trabalhos recebidos, com inscrições de artistas de 45 países atraídos pela ligação de participar de uma salão justamente na terra onde nasceu Ziraldo, um ícone dos cartunistas, uma das maiores referência do desenho de humor mundial.
O primeiro salão de humor foi realizado no 150º aniversário de Caratinga, em 1998. Mais tarde instituí o “Troféu Pererê”, para que o evento fosse uma homenagem perene ao Ziraldo, que projeta o nome de nossa cidade justamente através da criatividade e talento dos seus traços.
Pela organização e credibilidade adquirida ao longo de doze edições realizadas, o Salão Internacional de Humor de Caratinga é o principal do nosso estado e está entre os cinco maiores do Brasil.
Qual é a importância dos salões de humor para o chargista?
- O Salão de Humor, ao expor os trabalhos originais destes artistas, além de aproximar vários de seus autores entre si e ao grande público, abre um importante canal de informação especialmente aos que não tem acesso aos grandes jornais, revistas e livros ou até mesmo aos que não tem o hábito da leitura e proporciona aos visitantes ligados a arte o contato com as mais variadas técnicas e estilos.
A resposta do público é enorme, pelo fato do humor ter uma linguagem universal e pelo grande fascínio que a beleza plástica do desenho exerce nas pessoas, criando um apelo a mensagem que cada artista procura passar.
Durante a realização do evento, a cidade e região se mobilizam para visitar, discutir e refletir sobre os mais variados temas apresentados nos trabalhos expostos como o meio ambiente, a fome, a desigualdade social, violência, política, guerra, racismo, o menor abandonado entre outros, na visão de artistas de várias partes do mundo. Todas as pessoas que visitam o salão saem de lá tocadas, não ficando ninguém indiferente, o que torna ainda mais gratificante a realização de um evento desta natureza.
Uma forma de fomentar a cultura, levando às pessoas informação, conscientização e divertimento através do entretenimento, estimulando também o contato entre autores, público e afins.
Você foi premiado no 4º Salão de Humor de Juiz de Fora, após ter ficado afastado por um tempo dos salões. Conte-nos um pouco sobre isso.
- No início da minha carreira fui selecionado em vários salões e passar por este crivo sinaliza que você tem potencial. Mais tarde vieram algumas premiações, inclusive no exterior (Argentina e França). Depois fiquei muito anos sem participar, envolvido que fiquei com tantos outros projetos profissionais e de vida.
Em 2012 ensaiei um retorno e enviei trabalhos para dois salões. Fiquei em 2º lugar em Juiz de Fora e emplaquei dois cartuns num outro concorridíssimo em Brasília. Deu pra animar mas infelizmente até hoje não voltei a participar de nenhum outro, a não ser como convidado, jurado, ministrando oficinas ou lançando livros.
Qual é o grande problema que o chargista enfrenta?
- Financeiro....kkkkkkkkkk. Além enfrentar um mercado de trabalho muito restrito. Para aproveitar o gancho da pergunta vou complementar minha resposta com uma revelação que pode surpreender a muitos. Pode parecer estranho, mas a atividade que menos exerci ao longo desta minha trajetória foi a de desenhar.
Deus me deu o dom, tenho a mão boa, mas acho que poderia desenvolver mais o talento e obter mais sucesso como cartunista se dedicasse mais a arte de desenhar. Ao contrário dos artistas que vivem exclusivamente de seus traços e que entram numa redação, agência ou em seu próprio estúdio e passam ali oito horas ou mais horas diárias criando, desenhando e pintando, eu segmentei minha profissão diagramando, editando, criando logomarcas, sendo dono de loja de roupas infantil, de gráfica, produzindo catálogo telefônico, vendendo brindes, fazendo propaganda e, na minha agitação cultural, fundei blocos de carnaval, promovi mais uma tanto de eventos, e foram muitos anos de luta e horas de sono perdidos para realizar doze salões de humor e criar a Casa Ziraldo de Cultura.
E nesta correria, para poder conjuminar uma atividade às outras, não me sobrava muito tempo para me dedicar à prancheta e sempre fiz as charges a toque de caixa, sem muitas elucubrações, com desenhos toscos e sem burilar as ideias.
Pra quem você daria destaque no cenário nacional de cartuns?
- Além do Ziraldo, é claro, destaco o Maurício de Souza pela representatividade de sua obra no mercado editorial de quadrinhos. Hoje, pelo contato que tenho com praticamente a maioria dos artistas desta área no país e pelo conhecimento que tenho do grande talento de todos eles, formaria uma fantástica seleção com feras da antiga e atual geração, que faço representar aqui pelos geniais e meus ídolos: Angeli e Laerte.
Tem algum tipo de piada que você não faz de jeito nenhum?
- Sim, inúmeras.
Atualmente, existe algum tipo de censura?
- O tempo todo e maquiada de várias formas. O Brasil vive uma falsa autonomia e não por acaso sempre estamos deparando com um tipo de censura em várias atividades a cada período e, quando isso acontece, a charge é um dos primeiros alvos. Pela sua facilidade de entendimento e atração visual a charge consegue um alcance,as vezes, maior que uma matéria, por isso ela é tão temida.
Sua exoneração da Casa Ziraldo de Cultura em 2012 rendeu charges de seus amigos cartunistas do Brasil e exterior. Como foi ver a inversão de papéis, com você sendo o “personagem principal” das charges?
- A charge nos faz rir do ridículo humano, daquilo que foge a normalidade das ações dos homens e procuram ridicularizar situações que deveriam ser tratadas com seriedade visando suscitar o riso e prender a atenção do leitor. E foi exatamente isso que aconteceu com a minha inexplicável exoneração. Faltaram com o respeito não somente a mim, mas sobre tudo ao trabalho ali realizado, o que a Casa Ziraldo de Cultura representa pra nossa comunidade e ao homenageado, que dá ao nome aquele espaço, merecem. Um ato sem razão de ser, movido por interesses meramente políticos.
A charge, a via de regra, é sempre “do contra” e diante da injustiça sofrida, se transformou numa manifestação dos meus amigos cartunistas brasileiros e estrangeiros repudiando a atitude dos meus algozes.
A indignação se espalhou em site afins de vários países. Isto amenizou um pouco a minha decepção e tristeza. Então, ao contrário de outros “personagens” abordados em charges por ações desabonadoras, me senti confortado recebendo estas manifestações de apoio.
Vale recordar que contei também com o carinho dos caratinguenses, tanto nas redes sociais como nas ruas quando me abraçavam e me diziam palavras valorizando o meu trabalho e reconhecendo a minha pessoa. Olhando por este ângulo foi uma sensação muito boa e com avaliação positiva.
Mas sua atividade não se resume a charge. Sua atividade cultural em nossa cidade é intensa.
- Verdade. Tenho no currículo um leque de realizações. Sempre tive espírito de liderança e de promover as coisas. Ainda bem garoto eu montava um circo no quintal de casa e organizava campeonatos de futebol. A partir dos 17 anos realizei cinco campeonatos de futebol de botão com regra e mesas oficiais, com direito a edição de um jornalzinho com as notícias das partidas. Fui editor fundador do Jornal “A Semana”, editei por um ano uma revistinha infantil “O Pimpolho”, participei ativamente na efervescência dos nossos carnavais na década de 80 com o bloco “Doidim Paquerê” (onde fui carnavalesco, compositor e mestre sala) e com a “Banda Alô Mamãe”. De lá pra cá, foram centenas de promoções. Atualmente, conciliando com as que promovo na Casa Ziraldo, faço outras independentes, como o “I Encontro de Carros Antigos de Caratinga” realizado com muito sucesso recentemente. Somam se aqui, publicações na mídia nacional, as minhas andanças Brasil afora com meus trabalhos, oficinas, palestras, publicações, exposições e livros.
O que o Edra ainda quer realizar daqui pra frente?
- Eu poderia realizar muito mais se não encontrasse tantos obstáculos. É necessário que alguns segmentos de nossa sociedade me enxerguem com outras lentes e despertem que meu potencial não se restringe ao de artista. Mesmo alcançando sucesso no que me proponho, mesmo com toda credibilidade adquirida ao longo de tantos projetos importantes concretizados, certas pessoas insistem em não enxergar o meu lado empreendedor, da minha capacidade de gerenciamento, poder de aglutinação e visão. Diante disso, sempre estive do outro lado do balcão com o pires na mão, tomando chá de cadeira o tempo todo, sem nunca ter autonomia de ação. Boa parte das coisas que realizo hoje,estão em meus planos desde garoto. Eu ficava ansioso para ganhar mais idade para poder coloca-los em prática. Hoje lamento que, com um turbilhão de planos ainda na minha mente, o tempo já não está mais a meu favor. O desejo de fazer muitos outros planos que estão no meu velho caderno de anotações continua, mas as vezes dá vontade de chutar o balde e tomar outro rumo.
Você considera reconhecido em sua cidade?
- A tendência é que as pessoas deem mais valor aos artistas que moram fora em detrimento ao que optam por ficar na sua terra natal e que geralmente cultuem a máxima de que “santo de casa não faz milagre”. Mas me sinto reconhecido em Caratinga sim. O pessoal daqui respeita e admira o meu trabalho, me trata com muito carinho e muito das vezes o que o artista mais quer é este afago.O reconhecimento é o combustível da produção de qualquer artista.
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