A história do cartunista Edra com o Diário de Caratinga |
CARATINGA- Quase três mil charges e livros reunindo anos de parceria com o Diário de Caratinga. O cartunista Edra tem uma história de sucesso com este impresso, que ele conta nesta entrevista. Ele também fala a respeito da repercussão de seu trabalho na cidade, além de traçar um paralelo da vida do chargista hoje se comparado 25 anos atrás.
Seu primeiro contato com o jornal foi em 96. Como se deu isso?
A princípio, quando foi lançado o jornal em Caratinga, pra mim, que milito na área há bastante tempo, inclusive, já tinha morado em Brasília trabalhando, foi lá que comecei minha carreira de jornalista e cartunista; foi uma coisa muito impactante. Como caratinguense, achei super interessante a cidade ter um jornal diário, inclusive, passava a ser para todos nós, muito mais para quem estava dirigindo o jornal, um desafio muito grande. Já se passaram 25 anos, era uma cidade que pensávamos como ia garimpar notícias diárias, até então estávamos acostumados com um ou outro jornal. Fui entrevistado algumas vezes, com alguns trabalhos que fiz em Caratinga, até mesmo na ocasião me lembro direitinho, o Campeonato de Futebol de Mesa, que estava realizando na época. E, passado o tempo, o pessoal teve o contato comigo sobre a possibilidade de fazer uma charge para o jornal. Não vou negar também o que passava pela cabeça, era uma forma de eu me exercitar, manter na ativa como chargista. Então, eu estava fazendo charge para fora em nível nacional, mas, na verdade foi até minha contrapartida que eu fizesse charge a respeito de Caratinga, justamente porque seria um desafio mais interessante, eu morando aqui e fazendo charges locais. Não só um desafio, mas uma forma destemida também, porque convivemos no interior, não é igual nos grandes jornais, que critico um presidente ou governador, ele nem sabe quem é você, praticamente. Aqui estou encontrando cada um na esquina, os elementos todos que formam uma charge fazendo parte do meu cotidiano. Mas, achei que aquilo ali era uma forma de através da minha arte, do meu humor, contribuir para acontecimentos da minha cidade. Isso ia agregar bastante ao jornal, aquele papel importante que estava desempenhando, vi ali um canal para isso, tentar contribuir. Comecei e passei um ano fazendo a charge, inclusive, depois lancei um livro da coletânea dessa charge. Foi um resultado muito positivo, muita boa repercussão, o livro ‘Bagunçaram meu coreto’, justamente no aniversário do segundo ano do Diário.
E como foi o retorno ao jornal anos depois?
Eu estava começando a implantar uma gráfica em Caratinga, que foi ganhando mais corpo e tomando mais o meu tempo, tive que me dedicar mais. A gráfica era um sonho profissional da minha vida, mas a arte nunca te abandona. Parei por um período, mas, aconteceu a tragédia das enchentes em Caratinga em 2003 e eu senti muito uma necessidade realmente de extravasar aquela situação. No dia mesmo do episódio, quando passou aquele momento da correnteza, da chuva, que foi uma coisa bastante dramática; eu sentado à mesa antes de almoçar, abalado com a situação, aquela comoção total da cidade, comecei a pegar a folha e já fazer charge. Uma maneira de desabafar, externar uma situação não só minha, mas, coletiva. Fiz umas 30 charges e levei para o jornal. Foi publicada uma página inteira no Diário com uma chamada grande na capa. Aquilo deu repercussão, em todos os sentidos, havia uma simbiose do sentimento coletivo com o que passei no jornal, até também, eventualmente, algumas críticas, porque na verdade não teve o feedback como hoje tem na internet. Uns falavam: ‘Muito fácil brincar com a tragédia dos outros’, mas, a charge é isso, em cima de fatos não agradáveis mesmo: corrupção, desemprego, violência. E uma enchente que se abateu na cidade também não ia ser diferente, inclusive, eu era uma das vítimas, minha gráfica foi totalmente invadida pela água, tanto é que veio a segunda enchente, eu já brincava com meus amigos que minha gráfica acabou com a operação prestobarba, primeiro foi tchum, a segunda foi tcham (risos). Mas, com o sucesso da página, me convidaram a voltar. E voltei a fazer as charges, o jornal já em cores, outro avanço e a charge também na capa. Foi uma parceria muito grande, é uma empresa que nutro bastante carinho e, modestamente, e humildemente, desenhei meu nome da história do jornal, pois, depois foram 10 anos de charge na capa. Foram assuntos mais diversos e mais instigantes, sempre pautando pelo noticiário de Caratinga. Quando foram os 10 anos, resolvi comemorar essa data, voltei a falar com a Vera sobre esse projeto, ela me deu apoio publicando um suplemento, um encarte especial dos 10 anos, dali os patrocinadores ajudaram a fechar o valor dos livros, que foram cinco: ‘Pode ser a gota d’água’ (2003-2004), ‘Aconteceu, agora é charge’ (2005-2006), ‘Humor nosso de cada dia’ (2007-2008), ‘O bobo da corte’ (2009-2010) e ‘Quem paga o pato?’ (2011-2012). Dentro do universo que acompanho, nunca vi ninguém lançar cinco livros simultaneamente, foi um desafio muito grande, não só do montante do trabalho, mas, a difusão dele. Foi sucesso, mas, depois fiz um corpo a corpo, saí com esses livros nas ruas de Caratinga e vendi para bastante gente aqui na cidade. Foi uma forma de comemorar e criando um elo bem grande. Depois desse ano de 2010 também dei uma outra parada, porque eu vi que eu tinha que trabalhar mais na minha questão profissional, participar de eventos, viajando. Foi quando que abastecendo o carro, o Alcides e a Vera apareceram lá também, perguntando porque eu não voltava a fazer charges no jornal, dizendo que os leitores sempre comentam muito e o próprio editor, que é o José Horta, também reforçou esse convite. Achei interessante, voltei e fiz mais um ano, em 2016. Já não peguei o tema da cidade, voltei a pegar os temas nacionais e internacionais, porque eu já estava fazendo esse trabalho para fora, foi quando pintou exatamente aquela fase da Lava Jato, que culminou com as denúncias, até convergir no impeachment da Dilma, que é o meu livro ‘Pintou sujeira no País da Lava Jato’. E também além da charge, sempre fiz colunas de humor, entretenimento, cultural, lazer. Fiz as colunas Huai, Em Cartaz, Fim de Semana. Inclusive fui destaque como colunista no jornal. E escrevo, eventualmente, uma coluna ou outra, um assunto cultural. Também nesses anos foram quase três mil charges, realmente é uma história dentro do Diário de Caratinga e na história da imprensa da cidade.
Nesse período, qual charge mais te marcou?
Interessante, não paramos para pensar nisso. Foram várias charges, é difícil. Mas, teve um período que, por coincidência eu estava passando pela prefeitura, vi aquela galeria das fotos dos prefeitos. Me veio à mente uma charge que fiz durante o governo do João Bosco. Fiz a galeria, foi até capa do meu livro, vinha a sequência dos mandatos, um prefeito e outro. Quando chegou no João Bosco, coloquei João Bosco e Aluísio Palhares, intercalando, porque o João Bosco foi afastado pela Justiça à época, depois voltava de novo, saía, entrava Aluísio que ficava dois, três dias e voltava o João Bosco. Aquilo ali realmente foi uma coisa trágica cômica, a pessoa chegava na recepção: ‘Quem que é o prefeito?’. Teve um período que a cidade ficou dois, três dias sem prefeito, porque o Aluísio não queria mais assumir porque estava chegando data de eleição, se ele assumisse não poderia candidatar (risos). Foi uma charge que deu muita repercussão, mas tem muitas outras. Sem contar as de futebol, entre Cruzeiro e Atlético, que sempre deram uma repercussão muito grande.
Qual paralelo você traça de fazer charge naquela época e nos dias de hoje?
Poxa a vida! Hoje em dia está complicado. Sinto que a humanidade, o mundo, está em retrocesso, essa que é a verdade. Existe também uma polarização muito extrema, que cria uma animosidade, impaciência, intolerância muito grande, de ambas as partes. Se acentuou demais questão de direita e esquerda, da qual as duas partes, de uma forma muito cega, acham que estão certas, que estão fazendo a escolha melhor e que a outra é sempre burra. Não é assim que se resolve as coisas, tem que haver diálogo e discernimento. E, justamente, talvez isso, não está havendo discernimento, fazer uma charge agora se arruma uma gama de inimizades incríveis. Tinha aquele ditado que se falava espanhol, mas vou falar em português mesmo, ‘se é governo, eu sou contra’. Não existe charge a favor. Mas, hoje existe uma briga mesmo, não tem nem outra palavra, entre os próprios cartunistas, porque, antes se fazia uma charge e ela estava quase que 100% de comunhão com as pessoas, afinal de contas quem está no governo é onde depositamos a esperança, as resoluções das situações do nosso município, Estado e País. E a cobrança é em cima deles, eles se candidataram, fizeram a proposta de fazer um trabalho e nós, como cidadãos, temos que cobrar, reivindicar. Mas, hoje em dia é briga mesmo, com isso, se acentuou também as prioridades da própria direção do jornal, cada um também optou por uma linha, que se havia uma diferença tênue passou a ser mais definida. Já não dava para ficar mais meio no banho-maria, em cima do muro. O chargista e a própria charge se tornam um empecilho. Com isso, os jornais estão perdendo um grande diferencial da charge, está sendo extinta, praticamente o número de chargistas trabalhando para jornal impresso está só reduzindo drasticamente. O veículo passou a ser agora a internet. Nessa questão, é uma coisa que lamento muito, digo não só como chargista, mas como próprio leitor, porque tem um velho ditado que uma imagem vale mais que mil palavras; a charge era um alicerce muito forte; com os ideais do leitor, a ideia editorial do jornal, muito bacana e o desenho tem um atrativo muito grande, de fácil assimilação, se passa ‘n’ mensagens, a abrangência é bem maior. A charge tem um poder de síntese muito grande. Não sei se esse caminho agora vai ter volta, mas, se não continua vai ficar assim, aconteceu um dia, a charge e o jornal.
Quais são suas considerações finais?
Parabenizo e externo minha admiração pela empresa de modo geral, sempre me dei muito bem com todos que ao longo desses anos vêm trabalhando lá, todos os editores, um trabalho muito bacana comigo. Inclusive, aproveitar até a oportunidade e parabenizar que durante esse tempo todo que trabalhei no jornal não tive nenhuma censura do meu trabalho, tive total independência, fazia em casa e mandava pelo e-mail. Isso é coisa de realmente aplaudir, é claro que toda empresa tem uma preferência politicamente por um lado, mas nunca foi falado nada comigo. Houve muito respeito com meu trabalho. Tenho prazer e orgulho em ter participado durante esse período que fiz com o Diário. Continuo sendo parceiro, eventualmente agora ilustrando uma coluna do doutor Eugênio, semanal, sempre uma coisa outra e me coloco sempre à disposição de patentear essa minha ligação com o jornal. Parabenizar também esse trabalho muito dinâmico. Demonstrou a que veio, estão aí os 25 anos para provar isso e mudou de forma muito sensível a possibilidade de chegar as informações para toda nossa região. Está rico em informações e com credibilidade. Quero parabenizar desde a direção até o mais simples funcionário, cada um com sua importância nesse processo. Estou muito feliz em dar meu depoimento e minha singela participação nesse momento.
Página de charges na enchente de 2003 marcou retorno de Edra ao Diári
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Suplemento infantil também sucesso nas páginas do DIÁRIO
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Edra com o jornalista Carlos Alberto Fontainha, durante lançamento
do livro “Bagunçaram meu coreto”, em 1997 (Foto: Arquivo)
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Cinco livros em comemoração aos 10 anos de charges publicadas no Diário de Caratinga |
Edra escolhe charge da galeria dos prefeitos como uma das mais marcantes em sua carreira |
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